segunda-feira, 5 de julho de 2010

Antologia do fado de coimbra

Faz um tempo que o tempo não esquece mas guarda em memória com saudade aqueles momentos que de uma forma emotiva vivemos em volta do fado.
Não querendo escrever as minhas memórias pois ainda me considero no prólogo da minha saga e com projectos que eles mesmos irão dar o título e a sentença á minha existência nestes ambientes.
Quem sabe para recordar, mas quem sabe para não reescrever com outras emoções, menores ou maiores momentos que vivi em volta do fado…
De todas as actuações em fado de Coimbra, não vou recordar as noites de tertúlia sem conta, ou as digressões académicas com o grupo de engenharia, algumas atribuladas, outras saudosas e que o tempo não apagará pela saudade e boa memória, outras houve que marcaram por várias conjunturas e contextos.
A que me recordo no momento – (mosteiro de landim.), e precisando contextualizar, em curso está a decorrer o projecto “Antologia do fado de Coimbra”. Projecto que sem querer sonhei alto para subir um degrau e hoje não sei se já a meio da escada não terei sido demasiado ambicioso ou contar com uma dinâmica que eu próprio não acompanho. Trata-se de um projecto cultural, eu sei!, ou seja, algo que não uma pequena ou grande actuação individual, de fado, jazz ou latino.
Trata-se de uma ambição por querer contar o que ninguém ouviu então?
Ou que por opção vejo e sinto sem por momentos entender que seria sentimento partilhado por outros!
Talvez por que no seu tempo a minha geração viveu sentimentos e relações diferentes daquelas que sentia sobre o fado, sobre a academia, sobre as academias, sobre a música, sobre as raízes, sobre as direcções e a importância de tornar público as nossas/minhas ideias.
Bem, voltando ao tema, e produto de tudo isto, não consigo já precisar a data (ano) mas recordo ser um qualquer dia 26 de Abril, Sexta-feira.
Um amigo em paris, numa luta pela sobrevivência. Uma vontade em fazer uma tertúlia pública, em volta do fado, mas com outra roupagem.
Chamei amigos, pessoas do fado. Gentes que gostam e partilhavam ao tempo o meu sentimento pelo fado e pela origem popular deste.
Sem querer, dei entrevistas em rádios. Lancei o mote para uma “noite de fados de Coimbra no mosteiro de landim”.
Cantava na altura em vários grupos, mas academicamente quase impedido de cantar temas “básicos e nada elevados “ como “Amélia- Toada Coimbrã”, “Maria se fores ao baile”, “Passarinho da ribeira”,”vila de fornos”, entre outros, recorria a outros grupos, outra gente mais genuína, “mais aberta” a manter viva essa origem e vertente popular do fado de Coimbra que tanto defendia.
Um dos convidados era na altura o Nuno Carvalho. Advogado, famalicense, ouvia-o a cantar temas como “serra d’árga” e outros tantos. Em pé com a sua viola, e sempre numa vontade de tertúlia sobre e em volta do fado fazia a festa sozinho. Falava, explicava, contextualizava cada tema que cantava sobre as origens, alternando um tema popular com um tema erudito. Era o inicio de uma verdadeira antologia cultural.
Hoje vemos projectos revestidos com roupagens mais ou menos comerciais. Fado de Lisboa que já não o é, ou fados da música que já não são mas procuram ser algo diferente.
Cada projecto tem a sua história e o seu fado. Ao escrever um projecto, um conceito, estamos só pelo facto de o criarmos, a provocar uma qualquer história. Por vezes até com receio que a mesma venha a escrever “linhas tortas”. Ou então… fazemos história!
Hoje sinto que dei o mote para uma qualquer história do fado de Coimbra. Mais direi que poderá reescrever ou acrescentar algo a historias que ainda não foram contadas.
Neste concerto no mosteiro de Landim, entendo ser o primeiro, ainda que inconscientemente onde produzi uma antologia do fado como a entendo e como sempre a vi nos meus sonhos.
Só mais tarde na casa das artes em Famalicão e a pedido do voluntariado do hospital, produzi outra antologia. Sob o nome de “Antologia do fado de Coimbra” – “Sons de Outono” recriei o ambiente dos fados tradicionais, ao mais erudito, Da presença académica das tunas interpretando um fado ou fazendo a alusão aos vários momentos e épocas mais ou menos balizadas e identificadas, desenhei um concerto temático, onde a dança, a cor, o movimento se diferenciava de uma simples noite de fados.
Pois bem, resta o testemunho de duas contradições e/ou receios que se complementam e não se dissociam, em forma de desabafo deixo antecipando menos correctas leituras do que está a ser feito.

- A identidade do fado de Coimbra, dada a sua diversidade musical e temática deve ser a meu ver, respeitada, ilustrada com toda a deferência, cumprimento e ilustração exacta no seu contexto, na forma, na interpretação, no ritmo, nas métricas, nas nuances, pois são estas particularidades, que lhe deram a própria identidade. Cantar luís Góis ou uma qualquer interpretação popular deve respeitar essa mesma origem e genuinidade. A cor que lhe foi dada no momento de composição sem desvirtuar a identidade e a imagem de quem compôs e de quem a consagrou.

- Uma nova roupagem que complemente e evolua a identidade musical. Confuso talvez, mas sem acreditar agora em fundamentalismos, é o cantor que procura o tom, a forma, a sua interpretação, o sue cunho pessoal, assumindo por vezes uma nova sonoridade, uma nova roupagem, um qualquer “pozinho” de indivíduo que com legitimidade de quem o faz, lhe entrega o respeito pelo original mas participa no tema, não querendo mimetismos sonoros. Dr. Luíz Goes, quando interpelado um dia sobre a sua música e o seu “fado de Coimbra”, responde que cantava algo de matriz coimbrã… na consciência de que ele próprio teria a sua própria identidade como interprete e forma de cantar, que não seria possível falar de fado como ao “Zeca” ou “Adriano”, lhe teriam também dado uma sonoridade e identidade própria.

Assim, espero que por um lado se entenda e respeite algo que considero sagrado, o não desvirtuar uma identidade, mas ao mesmo tempo, numa sociedade conturbada e de extremos em que vivemos, não se retire a beleza, a riqueza e a diversidade na unidade que o Fado de Coimbra encerra ao tentar dar novo rumo nova roupagem e nova sonoridade.

Por outro lado uma inequívoca e justa memória e lembrança a este colega que em ano de aniversário de sua morte fica na memória, pela sua luta que partilho, pelo sentimento genuíno de uma cultura própria que é o fado de Coimbra.
Para e pelo Nuno Carvalho, um sempre atento e voluntario trabalho de reconhecimento do fado, da sua identidade musical, e cultural, papel merecido no panorama português e acima de tudo, pela sempre memoria das suas influencias e origens, do seu lado mais vernacular e popular.

nuno oliveira montalto
(Director de produção do projecto “Antologia do Fado de Coimbra”)

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